Malas. Aeroportos. Viagens. Hotéis. Esse roteiro pode ser conhecido por muitas pessoas, inclusive pelos que chamamos de concurseiros itinerantes. Intitulados assim, esse brasileiros fazem o que muitos gostariam: conhecem o país, muitas das vezes, de Norte a Sul. Seu diferencial é que não visitam os lugares a passeio ou diversão; desembarcam focados, concentrados na missão de fazer a prova de algum concurso imperdível. O objetivo, claro, é se tornar um servidor público.
O motivo de tanto interesse na carreira pública pode ser explicado pela crise econômica além, é claro, dos salários e da estabilidade empregatícia. Essa intenção leva os concurseiros a migrarem para os lugares mais distantes. “Eu nunca imaginei na minha vida que iria fazer concurso no Acre. Lembro que até fiz piada sobre isso e meus amigos comentaram que, finalmente, conheceram alguém que foi pro Acre. Ele existe! Sou eu!”, brinca Daniel Freitas, de 36 anos, formado em Jornalismo e Direito, e morador de Salvador/BA.
“Para onde abrir concurso, eu estou indo. Prefiro ir na sexta e voltar só na segunda. Gosto de visitar a capital do estado, reservar hotel, conhecer concurseiros, planejar passeios, tirar fotos em pontos turísticos, viver experiências num local desconhecido”, continua Daniel. Outra dica importante é planejar, com a máxima antecedência, o deslocamento que deverá ser feito até o local de aplicação da prova. Após fazer provas na própria Bahia e no já citado Acre, Daniel já passou por Minas Gerais, São Paulo, Rio Grande do Sul, Paraná, Mato Grosso e Rondônia. Pensa que acabou? Saiba que ele está disposto a rodar mais, bem mais. Agora, está à espera dos editais do TRT de Amazonas, Roraima e Mato Grosso do Sul.
Mariana, que mora em João Pessoa/PB, cidade em que nasceu, está em uma situação semelhante à de Daniel. Ambos são concurseiros itinerantes que não pensam em desistir do grande sonho. Formada em Direito, estuda para concursos desde 2015 e não exerce sua profissão. Aliás, para ela, estudar é, no momento, profissão. “Resolvi deixar a advocacia de lado para focar nos concursos. É isso, eu simplesmente estudo para concursos. Digo que minha profissão nesse momento é de concurseira em tempo integral”. Focando na área trabalhista, ela já fez concursos em Belo Horizonte, Curitiba e Cuiabá. Também estuda para fazer as provas do TRT do Amazonas e Mato Grosso do Sul. “Não tenho medo de sair da minha zona de conforto. Eu só pego o avião! Faço concurso onde tiver, e não vou parar enquanto não assinar meu lindo termo de posse”, continua.
Os concurseiros itinerantes enfrentam situações que podem ser muito difíceis para eles e para quem os cerca. Por conta das viagens e avaliações, a questão emocional não atinge apenas Mariana. “O psicológico nunca me atrapalhou antes de uma prova. Sou super tranquila. Minha irmã e minha mãe ficam ansiosas por mim, mas depois da prova fico muito aflita. Fico tão angustiada que nem me animo para conferir o gabarito. É uma ansiedade que dá medo”, conta a jovem. Daniel, por sua vez, também teve que aprender a lidar com seus desapontamentos e alegrias. “Antes da prova sinto entusiasmo, é um desafio a ser encarado. Mas o pior momento é conferir o gabarito no dia seguinte. Se não tiver gostado, a frustração toma conta de mim, mas sigo em frente. Com dedicação eu chego lá.”
Tudo isso tem explicação. Segundo o psicólogo Lincoln Poubel, analista do comportamento, terapeuta cognitivo-comportamental, professor universitário e sócio-diretor do Instituto Cognitivo e Comportamental de Psicologia, estas sensações frequentes são naturais. “Os sentimentos, quando estes candidatos não são aprovados, são esses mesmos: frustração, decepção e desvalor. É aí que o fluxo de pensamentos autocríticos e depreciativos deve ser interrompido pelo raciocínio. Para ajudar, vale repetir frases motivacionais como ‘fracasso é um nome inventado para se referir a alguém que desistiu antes de tentar o suficiente’, ‘retroagir nunca, render-se jamais’, ‘falhar é aprender que o que foi feito até aqui não foi suficiente, a verdadeira derrota é deixar de tentar’.”
O outro lado da moeda: quando o sonho é realizado
Dedicação foi o que fez com que Gustavo e Ana Laura tomassem posse de seu cargo público. Com objetivo realizado, ambos têm outro obstáculo a ser vencido: a distância. Quando um concurseiro decide ser itinerante, um sentimento que certamente terá que ser experimentado, quando aprovado, é a saudade de quem o ajudou a chegar lá. A lealdade, o companheirismo, as conversas, os almoços no domingo à tarde. Tudo é motivo de saudade.
Aos 28 anos, Gustavo Arantes sabe bem que todo sonho precisa de dedicação, comprometimento e, acima de tudo, força. “Como concurseiro, independentemente de todo o apoio que você pode receber da família, acredito que a maior dificuldade é lidar com os fracassos e todas as consequências que eles trazem. Quando era solteiro, iniciei as provas e estava ansioso para morar longe da família. Mas, atualmente, essa distância é um dos fatores que mais pesam. Às vezes, queremos tanto a independência financeira que não percebemos a importância de chegar em casa e ter alguém para nos confortar após um dia cansativo de trabalho.”
Gustavo já passou pelo Paraná, São Paulo, Santa Catarina, Ceará, Maranhão, Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul e muitos outros lugares. “Eu coleciono fracassos, já perdi a conta de quantas provas fiz”, revela. O nordestino, nascido no Maranhão e criado em Uberlândia, Minas Gerais, conseguiu neste ano sua aprovação no TRE do Paraná, no cargo de analista judiciário. E continua a estudar para concursos. Hoje está tendo que se adaptar ao Sul do país e à distância da família e esposa. “Passada a euforia inicial da aprovação, começam as dificuldades da vida de concursado. Primeiro porque muitas vezes você é lotado em uma cidade bem distante da sua família e amigos; foi o que aconteceu comigo.”
O percurso de Ana Laura Farias, de 27 anos, foi semelhante: jornalista que estudava desde 2014 para concursos e, após fazer provas em Pernambuco, Minas Gerais, Goiás, Amazonas e Rio Grande do Norte, conseguiu aprovação. Servidora há cinco meses no Instituto Federal do Ceará (IFCE) em seu cargo de formação, é nascida em Recife e mora em Cedro/CE. O mais difícil para ela não é só a distância de quem ama, mas a adaptação a novos hábitos e costumes de vida. “Estou me adaptando a outro estilo de cidade, pois agora moro em uma bem pequena, com cerca de 25 mil habitantes, enquanto Recife tem quase dois milhões”, revela. Sobre a distância da família e amigos, Ana Laura já havia feito intercâmbio, mas isso não a isenta de sentir falta. “Eu fui sabendo quando ia voltar, agora é muito diferente.”
Com a distância de quem ama, é imprescindível que o concursado tenha tarefas que goste de executar, pois esse fato poderá implicar diretamente em sua desestabilização emocional. O psicólogo Lincoln Poubel, ao comentar sobre a saudade, indica que a mesma pode ser definida como ausência emocional de fontes específicas de afeto. “A carência ocorre quando a privação é generalizada. As sensações incluem aperto no peito, taquicardia, angústia, entre outras. Manter contato periódico com os vínculos, estabelecer novos relacionamentos íntimos, construir e se ocupar com uma rotina repleta de atividades produtivas e prazerosas são ações que podem amenizar essas sensações.”
Para os que ainda são concurseiros itinerantes, o caminho é longo, mas muito proveitoso. No momento de escolher fazer concurso para um estado ou cidade distante do seu próprio, o candidato deve avaliar não apenas a remuneração. A função que vai exercer deve ser a que ele realmente goste, além de calcular a distância exata e a facilidade de se locomover. De fato, estar longe das pessoas que são as suas referências é uma barreira, mas quando se tem um sonho, todo esforço é legítimo e recompensado. Desistir não é uma opção. “Eu tenho uma grande torcida junto de mim e é isso que me dá forças para continuar!”, aponta Mariana.
Ao pensar em suas motivações, Gustavo considera o que um professor dizia a ele. “Lembro que ele falou uma vez que ‘o maior obstáculo é sempre o próximo’. A partir do momento em que superamos aquele obstáculo começamos a achar que ele é pequeno e já estamos nos preocupando com o próximo. Por incrível que possa parecer, é assim que me sinto. Ainda não realizei o meu sonho, pois ainda sigo estudando para outros concursos. Talvez nunca realize, pois sempre irei querer sonhar ainda mais alto. Mas não me interpretem mal, sou feliz e grato pelo que já conquistei, apenas não desisti de sonhar”.
Até sua aprovação, os concurseiros itinerantes continuam suas viagens. As malas se mantém à vista, as roupas preparadas, os documentos separados. Tudo organizado para seguir em busca dos sonhos. Para quem realmente quer passar, não há distância que não possa ser vencida.
Por Priscila Gomes